Clécio Lucena – Mastologista, Cirurgião das mamas e Professor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG
Estamos vivendo na área cirúrgica – em que posso falar com mais propriedade sobre as cirurgias de reconstrução mamária – uma situação que merece atenção dos gestores públicos de saúde, dos fornecedores, da imprensa e da sociedade: a falta dos chamados Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPME) necessários nas cirurgias de reconstrução mamária.
Esses materiais, na maior parte das vezes, são importados. Sabemos que a produção e a importação foram afetadas pelas restrições da quarentena provocada pela pandemia do COVID-19, com muitos fabricantes, inclusive, fechando as portas por tempo indeterminado.
Mas já estamos chegando a quase dois anos de pandemia e, diante de estratégias de sanitização e da vacinação, a produção industrial tem condições de estar praticamente normalizada. Então, a essa altura, esperávamos o retorno do fornecimento desses produtos da área médica em maior escala, o que, infelizmente, não está acontecendo.
Diante da falta de explicações aceitáveis que justifiquem essa situação, é necessário que as autoridades investiguem e elaborem estratégias para normalizar o fornecimento o quanto antes, pois estão ocorrendo sérias consequências para as pacientes que necessitam da reconstrução mamária, tanto na esfera pública quanto na saúde suplementar e privada.
A cirurgia de reconstrução, por exemplo, é complexa, realizada em etapas ao longo de vários meses dependendo do contexto do planejamento. A falta dos materiais cirúrgicos repercute na utilização de materiais inadequados, algumas vezes pode ocorrer de adiarmos os procedimentos reconstrutivos ou, por vezes, até substituir a reconstrução com o emprego desses materiais por outras estratégias mais agressivas como os retalhos miocutâneos.
Estamos sendo obrigados a fazer adaptações e substituições, o que não é ideal para as pacientes. Por exemplo, a recomendação é utilizar nas reconstruções mamárias, após as mastectomias, geralmente as próteses anatômicas, em que buscamos simular a forma da mama original da paciente.
Para isso, avaliamos o biotipo daquela paciente, calculamos o volume e o formato da mama para, então, adequar a prótese mediante uma cuidadosa escolha, garantindo um resultado mais harmônico, mais correto e próximo à anatomia natural de cada mulher.
A prótese redonda, por sua vez, é feita para uso estético no caso das mulheres que vão fazer mamoplastia de aumento. Nesses casos, como a mulher já possui uma mama saudável, a prótese funciona como um complemento apenas para aumentar ou melhor adequar o volume desejado. No entanto, por falta de próteses anatômicas indicadas para os casos de reconstrução, começamos a usar, também nesses casos, a prótese redonda, apesar de sua finalidade ser na cirurgia estética e não atender às necessidades da paciente de reconstrução de maneira tão precisa.
Essa é uma situação bem distante do ideal, mas é o que podemos fazer para que as pacientes não deixem de passar pelo processo de reconstrução mamária imediata, tão importante para a retomada de sua autoestima e vida normal após o tratamento oncológico.
A outra situação, que considero ainda mais grave e complicada, é relacionada à falta de expansores teciduais, que possuem papel fundamental no preparo do organismo da paciente para receber o implante mamário definitivo.
Trata-se de uma pequena bolsa de silicone que colocamos em substituição à mama que foi retirada. A partir da quarta semana da sua colocação, iniciamos, ambulatorialmente, o processo de expansão dessa bolsa de silicone por meio de injeções de soro fisiológico de maneira seriada. Então, essa bolsa vai aumentando de tamanho, esticando os tecidos, a musculatura, a pele. Depois de alguns meses da sua completa expansão, quando se atinge o tamanho ideal, retiramos esse expansor e inserimos a prótese definitiva.
Temos indicações fundamentais do uso desse material (expansor tecidual) a exemplo dos casos das mulheres que, devido ao tamanho do tumor, foi necessário retirar muita pele na mastectomia ou que desejam um aumento da sua mama original.
Outras situações que prefiro fazer o emprego dos expansores teciduais na reconstrução das mamas é naquelas pacientes que fazem primeiro a quimioterapia e também naquelas com indicação de fazer radioterapia, mesmo após uma mastectomia. Na falta desse material o resultado da reconstrução fica muito comprometido, além de inviabilizar algumas condições importantes na reconstrução mamária e aumentar o risco de complicações como a perda da reconstrução.
E o caso é que não estamos tendo expansores, mesmo após inúmeros contatos com os fornecedores. Alegam que não estão recebendo esses materiais.
Então, hoje, meu apelo é para que as autoridades tenham uma atenção e um cuidado com essa situação, pois estamos deixando de fazer as abordagens recomendadas por falta desse tipo de material. A essa altura, essa questão já deveria ter sido normalizada.